... e na ressaca de um dia perfeito
acordariam invulgarmente tarde, talvez por ser a primeira noite juntos. A
primeira coisa que ela veria seriam os seus olhos, porque o amor ainda
tem dessas coisas, detalhes, laivos de romantismo que fazem com que a
vida por vezes pareça valer a pena. E a seguir aos olhos - ela sabia-o,
adivinhava-o -o toque das mãos no cabelo solto, numa carícia mais
prolongada. A chuva caía, inesperada embora sem ser indesejada, apesar
da praia ali tão perto, para lá da penumbra acolhedora daquele pequeno
quarto, improvisado ninho de um amor nem sempre esclarecido todavia
intenso. Não importava, tão pouca era a pressa de sair daquele abrigo
quente e seguro que eram os braços um do outro, da urgência serena da
pele, dos beijos, olhares e palavras, da ternura muito mais que física.
Lá fora, pouco mais que o silêncio. Lamentos de turistas nas esplanadas
cobertas dos cafés, a quem a borrasca apanhara de surpresa, obrigando a
outras opções. Amar, sonhar, partilhar emoções, elos, família, viver.
Tanto por fazer, tanto por descobrir, tantas sementes a cultivar. Mas
sem pressa, sem queimar etapas, porque como em tudo na vida, uns bons
preliminares são fundamentais, fazem a diferença entre o sucesso e o
fracasso, o sábio degustar de cada momento, o desfrutar ao máximo dos
pormenores, o ser honesto, sincero e apaixonado, completo em cada
entrega. Não sabiam que horas eram. Pelo menos por um dia negar-se-iam a
ser reféns do tempo. Mais tarde, só então, abririam uma excepção para
as pessoas, para o Sol ou para a chuva, para os outros. Até lá
bastava-lhe estender o sonho, enganar o sono de uma noite mal dormida
pelo trabalho e mesmo assim ter medo de acordar, longe das extensas
dunas de areia branca e dos turistas desprevenidos, da água de encontro à
janela e da chuva transformada em lágrimas, encharcando a ausência dos
braços e do resto, fíapos de vida fingida, versos tristes de um amargo e
desconfortante amanhecer.
Pensei um dia que poderia transformar
uma data triste com um evento feliz, sem ter de rasgar folhas ao
calendário, moldar os dias a meu belo prazer com a fina arte de um
moleiro. Pensei fazer de uma recordação triste o dia mais feliz da minha
vida. Não consegui. Faltou-me o engenho, faltou-me um motivo, alguém
que me livrasse de vez deste medo de acordar.
Sem comentários:
Enviar um comentário