
Nunca
fui de marcar dias para os afectos, de celebrar de maneira especial os
dias consagrados pelo calendário, como se nos restantes 364 dias
estivesse dispensado de o fazer. Dias de consumo, comerciais, como
aquelas músicas que dizem não ter qualidade, mas que vendem, porque é
nesse sentido que elas são produzidas. Assim, oferecer uma prenda ao pai
a 19 de Março é quase como uma obrigação. Não importa se no resto do
ano nem sequer o vá visitar, mas esquecer-me desse dia é uma desfeita só
comparável a ir à igreja e não pagar o dízimo, porque estarei a ofender
Deus, O Pai, a principal figura paterna na hierarquia daqueles que
acreditam, que uma qualquer estranha reza, um simples acto de misticismo
pode curar o vírus da sida ou as mais estranhas e incuráveis maleitas.
Em pleno 2017 continuamos a ser influenciados por crenças, por
charlatões, daqueles que antigamente andavam pelas feiras a venderem a
banha da cobra - hoje baba de caracol, eficaz para todos os males -, por
bruxas, por aparências, pela hipocrisia. Ergam, pais, os vossos fracos
membros superiores aos céus, agradecendo pelo dia que lhes foi
consagrado. Sorriam mesmo que através duma dentadura postiça, mesmo que
por uma boca já estragada, que a parca reforma não deixa arranjar,
sorriam... pelas frestas do olhar por norma triste e vencido, do
carácter que ainda subsiste, último baluarte de uma época quase
esquecida, em que o pai era a trave mestra da família, exemplo para os
filhos, o sábio, mesmo que a inteligência se medisse pela experiência da
vida e não dos livros. Abram as portas dos lares, de par em par, que
hoje é dia de deixar entrar os filhos e os netos - constrangidos por
terem sido forçados a largar as playstations. Vêm sorridentes, trazem
beijos e presentes, alguns afectos, promessas de voltar e um relógio que
não pára, desculpa para o tempo que não têm, porque duma visita de
médico se trata. Compromissos inadiáveis, dizem, porque nada pode ficar
para trás, só os pais. É então um beijo e adeus, regado com os desejos
sempre sinceros de melhoras. Amo-te, pai, até para o ano!
Gostar
dos pais não é obrigação. O meu pai não era o melhor dos pais, nem o
mais perfeito dos homens, longe disso. Mas eu gostava dele mesmo assim,
mesmo sem ser obrigado a fazê-lo, mesmo com todos os seus erros e
imperfeições. Aprendi um dia que não é preciso sermos extremamente bons
em alguma coisa para sermos os melhores, já que o erro é indissociável à
própria condição humana. É difícil saber se em quaisquer outras
circunstâncias teria sido uma pessoa diferente, para melhor ou para
pior. Conjecturas que pela sua fiabilidade nem merecem grande
ponderação. Longe de ser também perfeito, com a minha boa quota parte de
erros, alguns dos quais relevantes no que hoje sou e no que poderia ter
sido, tenho no entanto orgulho nos valores que me foram incutidos, na
correcta distinção que faço entre o certo e o errado, nos sentimentos
que foram em mim plantados e que têm vindo a ser regados ao longo dos
anos, tentando mantê-los à margem de eventuais ervas daninhas. Não é
fácil. Mais difícil seria se não tivesse tido um bom professor que
sempre me chamou a atenção e repreendeu quando era caso disso, do tipo:
"Faz o que eu digo, não faças o que eu faço!". Não é preciso ser
perfeito para sabermos o que é o melhor para nós e para os nossos
filhos, mas é importante que eles saibam a diferença entre o bom e o
mau, o certo e o errado. Optar por um desses caminhos já é, depois, uma
decisão nossa, porque ser pai não é dar-nos os peixes para nos
alimentarmos, mas ensinar-nos a pescar. Por isso eu tenho uma profunda
admiração pelo meu pai, por isso eu não fico à espera de nenhuma data em
particular para me recordar dos bons momentos que passámos juntos nem
da falta que ainda hoje me faz.
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